sábado, 2 de abril de 2011

Le Sacre Du Printemps

Eu viveria de bom grado até os cem anos com todos os meus sentidos intactos. Não temo a morte, nunca temi. Tenho outros medos. Temo os meus olhos que já não são os mesmos de outrora, as cores se embassam na medida certa do envelhecer da minha retina já tão cansada. 


Temo não mais ouvir a música das esferas, tão simples era antes... olhava o céu em noite de estrelas e imaginava os planetas se movendo na  perfeita sincronia do universo. A perfeição que eu via era tanta que dela surgia sons que eu com o coração enamorado transformava em sinfonia. 


Temo não sentir o sabor real das frutas... a  maça sem crek, a jabuticaba sem ploqt- nhoc, e  a  polpa da manga na língua? O caldo prazeroso a me escorrer pelo queixo manchando minha blusa branca com uma estampa do arco-íris no meio. 

Temo tocar uma gravura de Matisse, um velho livro que guardo, presente de meus quinze anos. Meus dedos sentiriam a textura como se eu tivesse tocando o original? Dedos que  sabem tocar como os meus, choram. Isso, choram,  a emoção que vem da alma é a lágrima vertida  em suor que não macula a obra tocada



Começou a chover, parei uns minutos e fui até a  janela. O cheiro da chuva mesmo caindo no asfalto pra mim é  terra molhada - outra coisa do toque me veio agora- um campo imenso, com muitas arvores, bois, vacas, carneiros... uma chuva amiga e eu sem sapatos. É preciso dizer algo mais?


Senhor meu Deus, tira o meu  pão, mas me deixa  o  cheiro do trigo.
Senhor meus Deus, arranca  os meus  olhos, mas não me  deixa  esquecer as cores do nascer e do por do sol
Senhor meu Deus, amputa meus  dedos, mas me deixa  a palma das mãos pra eu sentir nem que por um segundo um rosto querido entre elas.
Senhor meu Deus, tira de mim o  gosto do inútil da vida, mas me deixa saborear as frutas do seu pomar.
Senhor meu Deus, tranca meus ouvidos, mas não  me tira  a sua voz, porque só assim eu sentiria o mundo da minha antiga primavera.



Que assim seja, amém! 














 
 

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